Jurista, advogado e consultor Gustavo Smith, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TER-RN), opina sobre principais temas em discussão no atual momento pré-eleitoral, como “Fake News”, retorno dos showmícios e obrigatoriedade versus voto facultativoEx-juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TER-RN), o jurista, advogado e consultor Gustavo Smith é contra a manutenção do voto obrigatório e defende que o voto facultativo possibilitaria maior legitimidade ao eleitor, especialmente nesse momento de pandemia, “o que dependeria de um processo de conscientização, de um processo de educação do eleitor”. Nesta entrevista exclusiva ao Agora RN, Smith também considera um “retrocesso” a possibilidade de retorno dos
“showmícios”. Ele também não simpatiza com o retorno das propagandas partidárias. Sobre estes e outros temas atualmente em discussão no
cenário pré-eleitoral pandêmico de 2020, como as fake news, o ex-magistrado concedeu a seguinte entrevista exclusiva ao AgoraRN:
AGORA RN - Como o senhor avalia a decisão do Congresso de adiar as eleições para novembro? Foi uma decisão acertada, em sua opinião?
GUSTAVO SMITH – Avalio como acertada. Vivemos atualmente uma situação de grande imprevisibilidade quanto a pandemia, de modo
que, não se pode esquecer que o processo eleitoral, por essência, envolve atividades que pressupõem aglomerações, caminhadas, comícios e muito
corpo a corpo entre candidatos e eleitores, e isso, indubitavelmente, contraria todas as recomendações de distanciamento social, podendo
agravar a crise epidemiológica. Naturalmente, não somente os atos de campanha, mas também o próprio dia do pleito podem afetar e contrariar as orientações de prevenção à disseminação do Coronavírus. Assim, penso que a medida foi acertada, postergando a data do pleito, com reflexos nos
atos de campanha, para tentar, nesse período, que os índices nefastos da pandemia estejam mais equacionados, mitigando os riscos à população.
AGORA - Que protocolos o senhor defende que sejam adotados para que a eleição transcorra em segurança, além do adiamento da data de votação?
GS – Os protocolos sanitários precisam ser rigorosamente observados em todos os atos, sejam de campanha ou no próprio dia do pleito. Nesse
sentido, além da conscientização da população e dos próprios candidatos, tenho certeza que a Justiça Eleitoral, atenta e diligente como é, adotará medidas adequadas para evitar aglomerações nos locais de votação e higienização dos equipamentos utilizados, com base na autorização constante da própria Emenda Constitucional e, bem assim, para fiscalizar nos atos de campanha a obediência à legislação que dispõe sobre a Covid-19.
AGORA - Durante a discussão da PEC 18 no Congresso, falou-se na possibilidade de ampliar o voto facultativo para outros grupos de eleitores.
Como o senhor enxerga essa possibilidade?
GS – O voto obrigatório no Brasil surgiu como forma de incentivo à participação popular e meio de coibição de fraudes, isso, na década de
1932, época na qual o contingente eleitoral era muito baixo. De lá para cá, a realidade social é bem diversa. Penso que a manutenção do voto obrigatório de certa forma afronta a liberdade política, a liberdade
de sufrágio. O voto facultativo, na minha ótica, possibilitaria maior legitimidade ao eleitor no momento em que este faria uma opção livre e consciente de ir votar em quem realmente se identificasse com seus anseios. Assim, particularmente, vejo como válido o debate e, especialmente, nesse momento de pandemia. Logicamente, isso dependeria de um processo de conscientização, de um processo de educação do eleitor.
AGORA - Congressistas articulam o retorno dos showmícios nas campanhas eleitorais e a volta da propaganda partidária, como “contrapartida” pelo
voto favorável ao adiamento das eleições. Como o senhor enxerga essas duas propostas?
GS – Dentre os pontos motivadores do legislador da minirreforma que proibiu os chamados “showmícios” nas campanhas, um deles, talvez
o principal, foi para coibir os abusos. Penso ser um retrocesso, sob esse prisma, a possibilidade de volta dos showmícios e, mais ainda, num momento de pandemia e distanciamento social. Quanto a propaganda partidária, também não simpatizo com a ideia. Embora a propaganda partidária se destinasse à divulgação dos fundamentos ideológicos dos partidos e a busca de filiação, na prática, o que havia era um desvirtuamento do espaço em prol de determinados candidatos
ou pré-candidatos. Ademais, o custo de tal modalidade, na forma de compensações fiscais para as emissoras de rádio e televisão, terminaria a
se somar as verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas. Acrescente-se a isso, a realidade atual de ampla utilização de redes sociais
que podem ser fortemente utilizados para os fins de divulgação das agremiações partidárias, eliminando as alegações de prejuízo para os
mesmos.
AGORA - A campanha deste ano terá de ser reinventada, porque, mesmo no segundo semestre, as aglomerações devem continuar proibidas. Qual será o principal desafio dos candidatos na campanha deste ano?
GS – A presunção é de que sejam amplamente utilizados recursos tecnológicos, por meio de redes sociais e internet. Os comícios e as tão propagadas caminhadas terão que ser repensadas, evitando-se aglomerações. O corpo a corpo também deverá ser evitado ou adotado com muita cautela, sob pena até de macular a imagem do candidato por inobservância às determinações sanitárias. Enfim, as equipes de marketing eleitoral terão que ser criativas e cuidadosas. Outro ponto interessante diz respeito a candidatos à reeleição, especialmente prefeitos, que devem guardar muita cautela com as ações de combate à pandemia, autorizadas pela legislação em situação de calamidade pública, para que as mesmas não
sejam desvirtuadas e possam invadir a fronteira da conduta vedada. Isso porque, condutas, como as previstas no art. 73 e seus incisos, da Lei nº
9.504, referentes à vedação a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social; pronunciamentos em cadeia de rádio e TV fora do horário
eleitoral gratuito; e realização de propaganda institucional de atos, programas, obras e campanhas desenvolvidas por órgãos públicos, hipóteses que poderão ser necessárias para mitigação da pandemia podem dar azo a interpretações que terminem por configurar a prática de conduta vedada e a caracterização de abuso.
"Penso que a manutenção do voto obrigatório afronta a liberdade política e de sufrágio. O voto facultativo possibilitaria maior legitimidade ao eleitor”
AGORA - O isolamento social tem impacto na legitimidade das eleições?
GS – Na minha opinião, eu não diria impactar a legitimidade. Entendo que impacta a eleição em sua fase preparatória, no desenvolvimento da
campanha e no próprio dia do pleito pela necessidade de adequação de todos os atos necessários às orientações e normatizações sanitárias, mas
que a legitimidade em si, não será afetada. Certamente, a segurança do pleito e a comunicação e convencimento do eleitor pelos candidatos será
efetivada, por meios alternativos, mas realizada. Assim, resguardados estarão os princípios normativos destinados à garantia da soberania popular por meio do sufrágio.
AGORA - Como o senhor analisa os projetos em discussão para barrar a disseminação de notícias falsas na internet, sobretudo em um ano eleitoral? O que o senhor defende dentro dessa temática?
GS - Com a grande quantidade e difusão de acesso às redes sociais, a massificação de uma informação (verdadeira ou falsa) é questão de minutos ou até segundos. Tais informações, especialmente as falsas,
têm o condão de afetar duramente o livre convencimento do eleitor, iludindo ou manipulando-o a crer que determinado candidato seja melhor
ou pior que o outro. O projeto de lei em tramitação traz uma série de mecanismos que podem mitigar a prática das fake news, dispondo sobre regras destinadas aos provedores de redes sociais (Instagram, Twitter, Facebook) e de mensagens instantâneas (WhatsApp) que visam conferir um
maior controle e fiscalização de tais serviços. São dispostos no projeto de lei regras que impedem a criação de contas automatizadas, os chamados
robôs, normas para o registro de origem de mensagens viralizadas (assim de nidas aquelas reencaminhada mais de cinco vezes), as plataformas
poderão moderar os conteúdos publicados, notificando o usuário da conta, entre outras diversas regras. Acredito que a possibilidade de rastreamento e as demais medidas constantes do projeto de lei poderão ajudar em muito a
repressão das fake news, possibilitando à Justiça Eleitoral exercer uma melhor fiscalização, a identificação da origem e a consequente punição dos
responsáveis. Destaco, ainda, a importância das campanhas de conscientização do Poder Judiciário, orientando a população quanto a checagem das informações e a não divulgação de conteúdos falsos.
AGORARN - Acredita que o fim das coligações na eleição proporcional vai enfraquecer ou fortalecer partidos? Por quê?
GS - A tendência é de enfraquecimento dos partidos menores, com menor representatividade. Tal alteração termina por eliminar a sempre e constante prática dos partidos políticos de se coligarem com outros partidos
para obterem maior tempo de propaganda, buscando obter maior quantidade de votos para a coligação, elegendo candidatos nominalmente
mais votados e alavancando outros menos votados integrantes da coligação. Com o fim das coligações proporcionais, os partidos menores terão que lançar sua própria chapa e concorrer ao pleito com seus próprios votos.