cenário pré-eleitoral pandêmico de 2020, como as fake news, o ex-magistrado concedeu a seguinte entrevista exclusiva ao AgoraRN:
AGORA RN - Como o senhor avalia a decisão do Congresso de adiar as eleições para novembro? Foi uma decisão acertada, em sua opinião?
GUSTAVO SMITH – Avalio como acertada. Vivemos atualmente uma situação de grande imprevisibilidade quanto a pandemia, de modo
que, não se pode esquecer que o processo eleitoral, por essência, envolve atividades que pressupõem aglomerações, caminhadas, comícios e muito
corpo a corpo entre candidatos e eleitores, e isso, indubitavelmente, contraria todas as recomendações de distanciamento social, podendo
agravar a crise epidemiológica. Naturalmente, não somente os atos de campanha, mas também o próprio dia do pleito podem afetar e contrariar as orientações de prevenção à disseminação do Coronavírus. Assim, penso que a medida foi acertada, postergando a data do pleito, com reflexos nos
atos de campanha, para tentar, nesse período, que os índices nefastos da pandemia estejam mais equacionados, mitigando os riscos à população.
AGORA - Que protocolos o senhor defende que sejam adotados para que a eleição transcorra em segurança, além do adiamento da data de votação?
GS – Os protocolos sanitários precisam ser rigorosamente observados em todos os atos, sejam de campanha ou no próprio dia do pleito. Nesse
sentido, além da conscientização da população e dos próprios candidatos, tenho certeza que a Justiça Eleitoral, atenta e diligente como é, adotará medidas adequadas para evitar aglomerações nos locais de votação e higienização dos equipamentos utilizados, com base na autorização constante da própria Emenda Constitucional e, bem assim, para fiscalizar nos atos de campanha a obediência à legislação que dispõe sobre a Covid-19.
AGORA - Durante a discussão da PEC 18 no Congresso, falou-se na possibilidade de ampliar o voto facultativo para outros grupos de eleitores.
Como o senhor enxerga essa possibilidade?
GS – O voto obrigatório no Brasil surgiu como forma de incentivo à participação popular e meio de coibição de fraudes, isso, na década de
1932, época na qual o contingente eleitoral era muito baixo. De lá para cá, a realidade social é bem diversa. Penso que a manutenção do voto obrigatório de certa forma afronta a liberdade política, a liberdade
de sufrágio. O voto facultativo, na minha ótica, possibilitaria maior legitimidade ao eleitor no momento em que este faria uma opção livre e consciente de ir votar em quem realmente se identificasse com seus anseios. Assim, particularmente, vejo como válido o debate e, especialmente, nesse momento de pandemia. Logicamente, isso dependeria de um processo de conscientização, de um processo de educação do eleitor.
AGORA - Congressistas articulam o retorno dos showmícios nas campanhas eleitorais e a volta da propaganda partidária, como “contrapartida” pelo
voto favorável ao adiamento das eleições. Como o senhor enxerga essas duas propostas?
GS – Dentre os pontos motivadores do legislador da minirreforma que proibiu os chamados “showmícios” nas campanhas, um deles, talvez
o principal, foi para coibir os abusos. Penso ser um retrocesso, sob esse prisma, a possibilidade de volta dos showmícios e, mais ainda, num momento de pandemia e distanciamento social. Quanto a propaganda partidária, também não simpatizo com a ideia. Embora a propaganda partidária se destinasse à divulgação dos fundamentos ideológicos dos partidos e a busca de filiação, na prática, o que havia era um desvirtuamento do espaço em prol de determinados candidatos
ou pré-candidatos. Ademais, o custo de tal modalidade, na forma de compensações fiscais para as emissoras de rádio e televisão, terminaria a
se somar as verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas. Acrescente-se a isso, a realidade atual de ampla utilização de redes sociais
que podem ser fortemente utilizados para os fins de divulgação das agremiações partidárias, eliminando as alegações de prejuízo para os
mesmos.
AGORA - A campanha deste ano terá de ser reinventada, porque, mesmo no segundo semestre, as aglomerações devem continuar proibidas. Qual será o principal desafio dos candidatos na campanha deste ano?
GS – A presunção é de que sejam amplamente utilizados recursos tecnológicos, por meio de redes sociais e internet. Os comícios e as tão propagadas caminhadas terão que ser repensadas, evitando-se aglomerações. O corpo a corpo também deverá ser evitado ou adotado com muita cautela, sob pena até de macular a imagem do candidato por inobservância às determinações sanitárias. Enfim, as equipes de marketing eleitoral terão que ser criativas e cuidadosas. Outro ponto interessante diz respeito a candidatos à reeleição, especialmente prefeitos, que devem guardar muita cautela com as ações de combate à pandemia, autorizadas pela legislação em situação de calamidade pública, para que as mesmas não
sejam desvirtuadas e possam invadir a fronteira da conduta vedada. Isso porque, condutas, como as previstas no art. 73 e seus incisos, da Lei nº
9.504, referentes à vedação a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social; pronunciamentos em cadeia de rádio e TV fora do horário
eleitoral gratuito; e realização de propaganda institucional de atos, programas, obras e campanhas desenvolvidas por órgãos públicos, hipóteses que poderão ser necessárias para mitigação da pandemia podem dar azo a interpretações que terminem por configurar a prática de conduta vedada e a caracterização de abuso.
"Penso que a manutenção do voto obrigatório afronta a liberdade política e de sufrágio. O voto facultativo possibilitaria maior legitimidade ao eleitor”
AGORA - O isolamento social tem impacto na legitimidade das eleições?
GS – Na minha opinião, eu não diria impactar a legitimidade. Entendo que impacta a eleição em sua fase preparatória, no desenvolvimento da
campanha e no próprio dia do pleito pela necessidade de adequação de todos os atos necessários às orientações e normatizações sanitárias, mas
que a legitimidade em si, não será afetada. Certamente, a segurança do pleito e a comunicação e convencimento do eleitor pelos candidatos será
efetivada, por meios alternativos, mas realizada. Assim, resguardados estarão os princípios normativos destinados à garantia da soberania popular por meio do sufrágio.
AGORA - Como o senhor analisa os projetos em discussão para barrar a disseminação de notícias falsas na internet, sobretudo em um ano eleitoral? O que o senhor defende dentro dessa temática?
GS - Com a grande quantidade e difusão de acesso às redes sociais, a massificação de uma informação (verdadeira ou falsa) é questão de minutos ou até segundos. Tais informações, especialmente as falsas,
têm o condão de afetar duramente o livre convencimento do eleitor, iludindo ou manipulando-o a crer que determinado candidato seja melhor
ou pior que o outro. O projeto de lei em tramitação traz uma série de mecanismos que podem mitigar a prática das fake news, dispondo sobre regras destinadas aos provedores de redes sociais (Instagram, Twitter, Facebook) e de mensagens instantâneas (WhatsApp) que visam conferir um
maior controle e fiscalização de tais serviços. São dispostos no projeto de lei regras que impedem a criação de contas automatizadas, os chamados
robôs, normas para o registro de origem de mensagens viralizadas (assim de nidas aquelas reencaminhada mais de cinco vezes), as plataformas
poderão moderar os conteúdos publicados, notificando o usuário da conta, entre outras diversas regras. Acredito que a possibilidade de rastreamento e as demais medidas constantes do projeto de lei poderão ajudar em muito a
repressão das fake news, possibilitando à Justiça Eleitoral exercer uma melhor fiscalização, a identificação da origem e a consequente punição dos
responsáveis. Destaco, ainda, a importância das campanhas de conscientização do Poder Judiciário, orientando a população quanto a checagem das informações e a não divulgação de conteúdos falsos.
AGORARN - Acredita que o fim das coligações na eleição proporcional vai enfraquecer ou fortalecer partidos? Por quê?
GS - A tendência é de enfraquecimento dos partidos menores, com menor representatividade. Tal alteração termina por eliminar a sempre e constante prática dos partidos políticos de se coligarem com outros partidos
para obterem maior tempo de propaganda, buscando obter maior quantidade de votos para a coligação, elegendo candidatos nominalmente
mais votados e alavancando outros menos votados integrantes da coligação. Com o fim das coligações proporcionais, os partidos menores terão que lançar sua própria chapa e concorrer ao pleito com seus próprios votos.