— O uso de água que não seja potável pode levar à exposição de uma série vírus e bactérias e ocasionar outras doenças transmitidas pela água — avalia Rómulo Neris, doutorando em imunologia na UFRJ.
A pandemia do novo coronavírus escancarou desigualdades educacionais no Brasil. Enquanto alunos de colégios privados rapidamente migraram para o ensino remoto com ferramentas digitais, estudantes de escolas públicas se viram sem equipamentos ou acesso à internet para prosseguirem seus estudos de casa. Só em São Paulo, mais da metade da rede estadual não acessa as ferramentas.
Do ponto de vista sanitário, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) afirma que as unidades privadas de ensino já estão prontas para receberem novamente os estudantes com equipamentos de segurança, como álcool em gel e máscaras. Enquanto isso, há 10.685 mil escolas públicas (3.347 estaduais e 7.338 municipais) sem água potável.
— É um absurdo o Estado manter uma instituição educativa sem essa condição mínima. Se ela não tem água potável, o que será que ela tem? E que possibilidades terá para ensinar essas crianças? — afirma Catarina Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Compondo um conjunto de condições dignas do século XIX, 8% não têm ligação com esgoto público ou nenhum tipo de fossa, 4% não têm banheiro e 3% sofrem até com falta de energia elétrica. Conseguir trazer essas escolas pelo menos para o século XX é mais um dos enormes desafios do novo ministro da Educação.
— Cabe à União suplementar orçamento e condições para estados e municípios efetivarem o direito à educação. Esse é o papel do ministério descrito na Constituição. Garantir infraestrutura básica faz parte disso — avalia Catarina.
Das 109 mil escolas municipais do país, apenas 65% delas têm água encanada. Na outra ponta, 3% não têm acesso regular — como todas os 13 colégios da cidade de Campo Alegre do Fidalgo, no sertão do Piauí. A cidade tem a água salobra, e os colégios são abastecidos com carros-pipa.
O Nordeste é a região com o maior número proporcional (uma a cada quatro) de escolas abastecidas por cacimbas, poços rasos facilmente contaminados por fossas de esgoto ou poluentes que vêm com a água da chuva. Na Paraíba, metade das escolas municipais são abastecidas com esse sistema.
Desigualdades
Em Luziânia, Goiás, uma garrafinha d’água potável é item essencial nas lancheiras das crianças da Escola municipal Laudimiro Roriz. Ela é abastecida por uma cacimba sem água potável que passa alguns períodos do ano seca.
— Se as aulas voltarem este ano, não mando a minha neta, não. Pode ter mil professores que não vão dar conta de manter as crianças limpas — diz Angela Maria, 51 anos, dona de casa e avó de uma estudante de nove anos.
Segundo o diretor da unidade, Rui Luna Barbosa,a demanda de água é insuficiente para a quantidade de crianças e, por isso, a faxina é feita em dias alternados. A secretária de Educação de Luziânia, Nilma Meireles, diz que há um processo licitatório para a instalação de poços artesianos.
O Norte do país é a região do país mais atingida pelo problema — uma a cada quatro escolas municipais desta área não tem água potável. No Acre, o índice é de um uma para cada três. No Amazonas, metade delas são abastecidas por rios.
— Não há mais rio limpo no Brasil. Foi assim, por exemplo, que a cólera entrou no país. Foi pelo Rio Solimões, em 1991 — explica Gandhi Giordano, professor da Uerj especialista em abastecimento hídrico.
Em Pauini, cidade de quase 20 mil habitantes no Amazonas, 67 das 73 escolas municipais captam água diretamente dos rios Pauini e do Purus. Integrante do sindicato de professores do município, Nelson Mendonça Furtado Neto conta que os professores precisam improvisar um recipiente, como uma panela, para coletá-la e levá-la até a escola.
— Não tem nem filtro. A professor pega a água no rio e leva para ser usada na escola. É precária a situação — diz.