Intermediação de tráfico de drogas, venda de armas, invasão de comunidades e recados para membros de facções criminosas de dentro dos presídios para “irmãos” nas ruas . Denúncias do Ministério Público do RN sobre a “Sintonia dos Gravatas”, como é chamada a participação de advogados na facção Sindicato do Crime, têm chamado a atenção pelos bilhetes, recados e códigos utilizados pelos profissionais do Direito para a comunicação com criminosos. Nesta semana, novo episódio: a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) interceptou um plano de fuga na Penitenciária Rogério Coutinho Madruga, em Nísia Floresta, com suposta participação de advogados. Na semana passada, uma advogada de Natal foi condenada a quatro anos e meio de reclusão acusada de ser uma “mensageira do crime”.
As informações são do Ministério Público e apontam a possibilidade de existir uma rede de advogados, com hierarquia e pagamentos mensais, que atuam como emissários para presos faccionados dentro e fora das unidades prisionais. O modus operandi não é novo nem exclusivo do RN, apontam autoridades. No último dia 10 de agosto, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou operação para prender uma advogada suspeita de planejar libertação de lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) em um presídio federal, entre eles, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, um dos fundadores da facção.
“Chamou a atenção agora, como em 2019, porque o sistema está muito fechado. As comunicações de dentro pra fora e de fora para dentro estão difíceis e esse trabalho desses advogados tem sido importantes para as facções nesse sentido, de manter a comunicação viva, inclusive para transmitir questões de dívidas, de tráfico, quem deve controlar aquela quebrada, etc. Mas já interceptamos exemplos de mensagens de decretos. Tivemos uma situação um advogado com mensagem do Comando Vermelho do RJ direcionada ao SDC. São mensagens muito contundentes”, diz fonte do MPRN. Informações apuradas pela TRIBUNA DO NORTE dão conta de que o pagamento pela visita/recado varia entre R$ 250 e R$ 1.500, podendo chegar a valores superiores.
“Alguns advogados têm funcionado como verdadeiros elos de ligação entre a sintonia na rua com a sintonia da tranca. É a comunicação entre as lideranças”, acrescentam fontes do Ministério Público.
Condenação
A mais recente condenação, do último dia 9 de agosto, é oriunda da operação Emissários, de junho de 2019, do Ministério Público do RN, quando três advogados foram presos. Neste caso, a Justiça do RN entendeu que a advogada Fernanda Colanzi da Cruz teve papel determinante no repasse de ordens para integrantes do Sindicato do Crime (SDC-RN) para uma possível invasão a três comunidades em Natal. Interceptações telefônicas foram realizadas em março de 2019, durante uma das visitas a uma das lideranças do SDC-RN.
“Nós pedimos para vocês (sic) organizar a tomada do MOSQUITO e depois os BARREIROS e OLHO D'ÁGUA. Metam a bola e tenham cuidado. Peça o apoio do Passo, Bairro Nordeste, Rocas e Morro, Japão. Diga aos irmãos que é nosso objetivo agora […] Preste atenção, referente ao progresso aí, eu quero que você pegue o chá. O lucro dos progresso você, você ajunta e no final nós divide. Meu filho, eu preciso saber com quem tá as ferramenta que tava com o finado, guardado, pra mim entregar. […] Dra, deixe eu botar um negócio aqui: para todos do JL (Jardim Lola): antes do finado morrer, ele mandou me falar que tinha duas 9, umas 40, 40 e uma 38. Eu quero saber quem pegou e quem tá com essa peça”, diz trecho . Entenda a linguagem cifrada do crime no infográfico acima.
Na decisão, a Justiça destacou que a integração da acusada com a organização criminosa é “inconteste”. “A partir dos diálogos captados, verifica-se claramente a associação voluntária da acusada à organização criminosa, valendo-se da sua condição de advogada para, durante as visitas aos internos, intermediar a comunicação entre os membros da organização criminosa que se encontravam privados de liberdade e os demais integrantes da organização soltos”.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE contatou a defesa da advogada citada, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. O espaço está aberto para eventuais esclarecimentos.
Durante os depoimentos para a justiça, a advogada negou a captação ambiental apresentada pela denúncia do MP e disse que estava em Brasília-DF na maior parte da captação ambiental realizada, “bem como alegou a ausência de dolo, sustentando que a conduta era voltada para fins de pesquisa acadêmica”. A advogada sustentou ainda que fazia parte de um grupo de estudos para mestrado com o tema “Sistema Prisional/RN-Política Criminal Proibicionista-Legislação de Drogas, e ainda sobre o tema Organizações Criminosas”.
OAB
Em entrevista à TN na semana passada, o presidente da OAB-RN, Aldo Medeiros, disse que a repercussão dos casos recentes “preocupam” a entidade. Ele disse que o Tribunal de Ética da OAB-RN apura a conduta de pelo menos quatro advogados.
“Nossa atuação se resume à defesa de prerrogativa dos advogados que é fundamental. Quando o advogado é acusado de qualquer ato e tem contra si mandado de prisão ou de busca e apreensão, que é mais comum, a lei determina que ele seja acompanhado de um representante da ordem. Temos um plantão permanente. Esse é o papel da OAB. A defesa técnica dos atos que eles são acusados cabe à advocacia privada deles que eles contratam. A OAB acompanha porque se houver violação de alguma prerrogativa, ela atua, mas não defendemos qualquer tipo de ato que eventualmente venha a ser identificado como ilegal”, disse.
“Isso nos preocupa muito, porque em algumas situações, nos parece e isso está sendo apurado, são atividades que nada têm a ver com a advocacia, de se levar e trazer comunicações que não são do processo. Isso não é atividade da advocacia. Não cabe à OAB defender esse tipo de infração. Estamos dando apoio para a prisão que se dá em sala de estado maior ou similar, estamos fazendo com que os atos sejam assistidos pelo nosso procurador de prerrogativas, mas também estamos abrindo processos éticos contra todos esses acusados, para que possamos, com isenção, prudência e ampla defesa, analisar se o que foi apontado representa exercício da advocacia ou além disso e que caracterize falta de ética”, apontou.
O secretário da Seap, Pedro Florêncio, disse que esses advogados representam “uma minoria absoluta dos advogados, pois a maioria são profissionais sérios, que desempenham uma função fundamental no sistema de justiça. Não há justiça se não tiver ação de advogado no processo criminal”, disse, acrescentando que tem mantido diálogo com a OAB para combater essas ações.
“Nada disso aconteceria se não fosse a colaboração da Polícia Penal e recentemente da OAB, que instaurou procedimentos e suspendeu advogados cautelarmente. O MP não quer, de forma alguma, criminalizar a atividade da advocacia. É legítimo que todos tenham defesa técnica, mas essas funções claramente desbordam da advocacia, no nosso entendimento e a justiça tem chancelado, esse modus operandi serve para configurar que aquele advogado promove e integra organização criminosa”, finaliza fonte do MPRN.
Nenhum comentário:
Postar um comentário