O livro A Escolha Errada é o primeiro de outros cinco escritos pelo publicitário e ex-presidiário Newton Albuquerque durante os 10 anos encarcerado por tráfico de drogas. Dois anos foram na penitenciária federal de segurança máxima de Alcaçuz. Lá, ele presenciou também a rebelião ou massacre provocado pelo conflito de facções das quais nunca integrou. Tudo está relatado no livro que será lançado neste sábado (5) no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel, das 17h às 21h.
O livro de 261 páginas começou a ser escrito em pedaços de papéis emprestados por um e outro até chegar ao conhecimento de superiores que digitalizavam os manuscritos e, compadecidos, lhe presentearam com um computador para facilitar a feitura do livro, editado pela Unilivreira, do editor Aluísio Azevedo Jr.
A Escolha Errada é um texto autobiográfico e remete a problemas atuais: o crime organizado, a polícia, a justiça, a organização carcerária… ingredientes de um sistema em colapso. Tudo se traduz na violência, que tanto aflige a sociedade. Foi também a terapia do autor, para fugir daquela “caixa de concreto” e da depressão.
A TRAJETÓRIA DE NEWTON ALBUQUERQUE
A trajetória de Newton Albuquerque é relatada com extrema sinceridade, desde a infância, sempre amparado pela família, sua juventude em São Paulo, as dificuldades financeiras, os sonhos de realização. Uma pessoa comum, cercada de amigos, amorosa, aficionada por futebol e por seu time de coração, o Corinthians.
O crime organizado, centrado no tráfico de drogas, surge na trama, através de amizades. Essa aproximação com traficantes, aos poucos, vai-se firmando, transformando-se em relacionamento envolvente dos personagens. Momentos sucessivos de dificuldade financeira familiar vão minar as resistências de Newton, até que sucumba à sedução do tráfico.
A ESCOLHA ERRADA
Sua trajetória no mundo das drogas o traz a Natal, em missão de transporte. Na cidade, seria preso e adentraria em outro mundo: o carcerário. Eis uma inusitada viagem ao leitor. Entrar num presídio. Lugar também desconhecido para o narrador. O cárcere, cheio de surpresas, de medos, e assombramentos. Imperdível a narrativa de Newton; minuciosa, cuidadosa; especialmente, resultante do espanto, da perplexidade com aquilo que via e sentia.
Certamente, o leitor se surpreenderá com o livro. Eis um relato para nos fazer pensar e sentir. Muitos se emocionarão, por suas páginas. Adentrarão, com o autor, em mundos humanos, e desumanos. Não apenas lugares de afeto. Nem de fantasia. Em mundos implacáveis, de “pouca ideia”. Personagens ajuntados, lista interminável de nomes e pessoas. Desde os mais queridos e preciosos. Até estranhos companheiros e parceiros.
Intrigante mistura que a todos igualmente denomina. A pureza da palavra “amigo” vai-se desfigurar, então, para marcar a vida de Newton Albuquerque. Inconformismo. Esperança. Amor. Legados do trabalho que o Autor nos apresenta e nos conta um pouco nesta entrevista ao Papo Cultura.
ENTREVISTA – NEWTON ALBUQUERQUE
Do que trata o livro em sua essência?
Tudo o que vivi em dez anos no sistema carcerário. Foram cinco anos até a conclusão do livro. Comecei em 2010 e terminei em 2015. E em 2017 voltei à escrita para relatar o capítulo do massacre ocorrido na Penitenciária de Alcaçuz.
Por que você escreveu esse livro?
Comecei a escrever como terapia ocupacional, sem pretensões de ser escritor ou de aqueles manuscritos virarem livro. Em 2012 encontrei Dinorá Simas, ex-diretora de Alcaçuz, já falecida. Ela leu meus manuscritos, acreditou em mim, me apresentou à doutora Guiomar Veras (advogada do Tribunal de Justiça e membro da Pastoral Carcerária de Alcaçuz) e doutor Fábio Ataíde, juiz, todos que acreditaram em mim. Foi aí que o livro tomou forma.
Fale dos motivos de sua prisão.
Foi aos 30 anos (hoje Newton tem 43) por tráfico de drogas e que resultou em minha primeira prisão em 8 de outubro de 2008, quando fui pego em Genipabu. Até então nunca tinha sequer passado numa delegacia. Sempre estudei, sempre trabalhei, me formei em Publicidade em 2007. Sempre tive uma vida normal, de princípios, de valores até optar pela escolha errada. Minha vida virou de cabeça pra baixo. Minha vida como transportador de drogas, no crime, foi muito rápida. Foi dos 30 aos 32. Antes eu tinha vida normal até fazer essa escolha.
Como foi o processo de escrita, sua rotina dentro da prisão?
Eu passava por um momento de depressão muito forte. Eu precisava colocar pra fora tudo o que eu estava sentindo. E com a ajuda da Terapia Ocupacional do presídio eu percebi que tinha como melhorar minha situação escrevendo. E tinha que ser em pedaços de papel porque eu não tinha mais nada. Então eu pegava emprestado e meus manuscritos foram feitos assim, com canetas de diferentes cores, com papeis diferentes tamanhos. Eu ficava ali dentro da cela, com um pedaço de papel no colo, escrevendo. Foram dias, meses e anos dessa forma até que hoje estou sendo contemplado com o lançamento desse livro.
Mas você ganhou um computador para facilitar esse processo, não?
Sim. Em 2015, o juiz Fabio Ataíde, ao lado da doutora Guiomar Veras, dos Novos Rumos e outros parceiros da Pastoral Carcerária, além de outras pessoas… Foram várias mãos para que isso pudesse acontecer. Nesse ano todos eles estavam com os manuscritos sendo digitalizados. Foi quando fui presenteado com esse computador, mesmo dentro do cárcere, por parceiros como a Ong Resposta da doutora Anna Paula, o Novos Rumos, a Pastoral Carcerária… O diretor na época era Hidelbrito (?), também já falecido e que me deu essa oportunidade. Eu tinha um espaço reservado perto da direção para escrever o livro. Foi muito marcante essa transição do papel para o computador. E colaborou muito. Quando o computador chegou eu só tinha dois livros escritos, começando o terceiro. E hoje são seis livros, sendo cinco prontos e outro em andamento. Foi muito gratificante mesmo. E é preciso falar isso porque a sociedade precisa saber que existem pessoas que acreditam no ser humano; anjos que me ajudaram e ajudam outros.
Quais os temas dos outros livros?
O Pequeno Gênio, que fala de um garoto que quer ser jogador de futebol, mas a família é torcedora fanática de um time, e o moleque depois brilha em outro time e é uma historinha para o público jovem para ser trabalhado nas escolas, que fala de educação, de amor à família. Depois desse escrevi Anjos do Parque, um romance. Em seguida, Playboys do Crime, uma trama policial, escrita a partir de manuscritos que eu mesmo distribuía entre os presos e que narra um pouco da história deles, que gostaram muito. O outro livro foi o Quatro Estações, também um romance dramático, com dois personagens inspirados em Natal. E por fim, Transformação Individual, que é 100% auto ajuda, totalmente endereçado ao público encarcerado.
Sobre a rotina na prisão?
Era a rotina normal de um preso. Durante cinco anos eu transitava entre os pavilhões, que são bem sinistros. É uma coisa bem pesada. Depois disso eu procurei trabalho na prisão. Então eu comecei a acordar às duas horas da manhã e ia até as duas da tarde trabalhando na cozinha. Quando eu chegava, tomava um banho, descansava e ia escrever dentro da minha cela. Essa era minha rotina de escrita. Às vezes mesmo quando ia dormir vinha algo à cabeça, eu levantava e escrevia. Nunca deixei de escrever, nem um dia sequer durante esse período no cárcere. Era minha terapia; um jeito de sair um pouco daquela realidade. Afora os livros que lia e viajei neles para esquecer aquele sofrimento.
Quais livros gostou mais?
Comecei a gostar mais de ler dentro do cárcere. No sistema federal não existe nada. É só uma caixa de concreto e a única coisa que se pode fazer ou é ler ou escrever. Entre esse livros gostei muito de O Segredo (livro de autoajuda de Rhonda Byrne), de A Cabana (de Willian P. Young), depois Machado de Assis… Foram experiências incríveis. O Silêncio das Montanhas (de Khaled Hosseini), que gostei demais. Foi um mundo que se abriu. Entrei como traficante e hoje saio como escritor, como exemplo
Como você era visto pelos outros presos?
Por incrível que pareça, o cárcere é um mundo à parte. São pessoas que cometerem seus crimes, mas lá dentro não deixa de ser uma sociedade. E eles ajudam sim. É incrível como muitos são bem altruístas. E quando percebem que uma pessoa quer mesmo mudar, que aquele sentimento é real, eles ajudam mesmo, de todas as formas. Eu ganhava resmas, canetas… Tenho que agradecer aos companheiros de cela que me incentivaram e aqui estou servindo de exemplo para eles, para mostrar que é possível. No livro deixo bem claro as tentações do dinheiro fácil, das armadilhas do crime, da farsa, da ilusão. O livro é uma ferramenta motivacional para ser trabalhada no sistema prisional e para a sociedade acreditar e perceber a necessidade do apoio, do incentivo a esses presos, por mais surreal que seja dentro de um sistema tão arcaico, mas precisamos de gente como Aluísio (Azevedo, editor do livro) e outros que citei, que acreditam no ser humano. É possível mudar.
O que você viu e relatou da rebelião de Alcaçuz?
É algo que me marcou profundamente. Em dez anos de cárcere foi a única vez que achei que podia perder minha vida. Aquele cenário mostrava pra mim que aquilo era mesmo um inferno, que poderia tirar minha vida a qualquer momento. Então eu relato nesse livro todo o meu sentimento, o meu medo de morrer. Até porque era briga de facções local e outra de São Paulo. Eu nunca participei de nenhuma facção e eles sabiam disso, mas eu era de São Paulo e estava alojado dentro da facção do RN. Então muitos que eu não conhecia olhavam pra mim com armas, com facas e… só Deus. Foi Deus que me livrou porque eu senti o cheiro da morte por diversas vezes durante aqueles dias. Pra ser sincero é algo que eu nem gosto de lembrar. Foi terrível demais.
Quando recebeu a liberdade e como você vive hoje?
Entrei em liberdade no último 18 de agosto. E minha vida hoje é maravilhosa. Estou focado nos livros, nos estudos. Mas estou sem trabalho ainda. Fica a dica. Sou publicitário, empreendedor, capaz para muita coisa. Se a oportunidade aparecer eu abraço, com certeza. Até porque é uma vida nova, um recomeço. E hoje conto com meus amigos, minha família, com essas pessoas que me ajudam. Hoje é só sucesso.
ADENDO: Quando este editor ligou horas depois desta entrevista, feito por telefone, para pedir uma foto, Newton relatou o seguinte:
“Queria lhe contar em primeira mão um episódio que aconteceu agora comigo. Vim em Santa Rita, depois da Redinha, para relembrar o primeiro lugar que fiquei, lá atrás, e de repente me passa um cidadão numa moto, me reconheceu, parou e pediu para tirar foto. Foi diferente e incrível isso que me aconteceu. Eu estava com um livro na minha pasta, o presenteei com um livro, ele se emocionou. Poxa, fui reconhecido por uma coisa boa e estou dividindo agora com você isso que aconteceu comigo.”
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