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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Como um entre quase 9 mil procedimentos do MPRN terminou em blackout sobre um engenhoso esquema de fraudes na iluminação pública

Inquérito avançou por contradições de investigados e terminou desbaratando esquema em cinco prefeituras, com R$ 25 milhões envolvidos


Todos os dias, promotores abrem e encerram procedimentos para sua atuação. Em 2015, dos 8.725 procedimentos extrajudiciais abertos pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, um, em especial, começava a lançar luz sobre contratos que, forjados na escuridão da ilegalidade, viriam revelar um engenhoso esquema de desvio de recursos públicos.
Os primeiros resultados públicos do inquérito civil nº 116.2015.000057 viriam no alvorecer de 24 de julho de 2017, quando 15 pessoas, entre servidores públicos, lobistas e empresários, foram presas, e o presidente da Câmara Municipal de Natal, Raniere Barbosa, afastado. No centro dos eventos, uma cadeia de elementos que os relacionavam a desvios de recursos na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos de Natal (Semsur).
Como um novelo que se desfia, começava ali o desenrolar público de um enredo que revelaria que o esquema foi muito além dos limites de Natal, sendo reproduzido em outras prefeituras do Rio Grande do Norte e até da vizinha Paraíba.

Decoração natalina da capital caiu no esquema de fraudes, segundo MP Foto: Divulgação/Prefeitura do Natal
Para chegar a esse ponto da investigação, a da ação de busca e apreensão e prisão (que é batizada como operação), todavia, o desenrolar do novelo foi através de instrumentos de investigação discretos. No primeiro deles, o inquérito civil, os membros da Promotoria do Patrimônio Público precisaram formar o que se chama “convencimento”, ou seja, precisavam dispor do mínimo de elementos para seguir na investigação.
Para Renato Guerra, professor de Direito Penal Aplicado, os discretos instrumentos têm papel preponderante na atuação ministerial. “Embora a jurisprudência tenha entendimento divergente a respeito da indispensabilidade dos procedimentos preparatórios para o oferecimento de uma Ação Civil Pública ou de uma denúncia, o certo é que a realização desses procedimentos é determinante para a formação do lastro probatório mínimo exigido”, diz ele.
Como o inquérito permite que os promotores oficiem órgãos para pedir documentos, os promotores assim o fizeram. Foi dessa forma que perceberam que uma ação de investigação na área cível – que termina com a oferta de ação civil pública – estava ganhando também contornos penais.
Isso porque ao remeter algumas respostas ao MPRN, a Semsur enviou documentos que indicavam que duas empresas tinham praticamente o mesmo endereço. A Enertec tinha representação em Natal na Rua Coronel José Bernardo, 941, Alecrim. Enquanto a Real Energy estava no mesmo endereço, com a numeração 941-B. Parecia razoável que as empresas, operando no mesmo endereço e diante das suspeitas levantadas no inquérito, poderiam combinar fraudes em licitação.
Assim, a Justiça autorizou que o MP avançasse, o que aconteceu já em 2016, com abertura do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) nº 104, em que sigilos foram quebrados para que o órgão ministerial se convencesse de vez – ou não – de que havia crimes em andamento contra a administração pública.
Operação Cidade Luz
A quebra de sigilos foi preponderante para a convicção do Ministério Público de que havia materialidade de crimes graves como fraude em licitações, formação de cartel, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Em resumo, o esquema consistia no conluio de empresas para fraudar licitações, com a anuência dos representantes do poder público, que eram remunerados com dinheiro desviado dos contratos para manter a parceria e tinham por dever dar continuidade ao ciclo de fraudes. Em Natal, os contratos investigados eram de mais de R$ 22 milhões. A relação de empresas e principais agentes envolvidos se encontra em infográfico ao fim desta reportagem.
Com cinco das 15 prisões sendo preventivas, o que significava que havia provas robustas contra os alvos, alguns dos envolvidos começaram a colaborar com as investigações do Ministério Público do Rio Grande do Norte.
Nos acordos de colaboração, é preciso que se entreguem informações de que o Ministério Público não dispõem. Os personagens que orbitavam em torno do núcleo empresarial decidiram, então, contar o que sabiam sobre Natal e sobre outras cidades.
Foi assim que ações semelhantes se desdobraram, revelando as ramificações da Operação Cidade Luz, já que os eventos posteriores traziam os mesmos personagens de Natal, incluindo as empresas.

Poucos dias depois de Natal, os desdobramentos visitaram Caicó. Em 4 de agosto, agentes públicos envolvidos na gestão de Roberto Germano (2013-2016) foram alvo da Operação Blackout, que levou seis pessoas para a prisão na investigação sobre fraude em um contrato de iluminação de R$ 1.138.970,00.
Em 1º de novembro de 2017, foi a vez da prefeitura de Macaíba, com a Operação Alta Voltagem. No foco, um contrato de R$ 4 milhões que terminou na denúncia contra seis pessoas da gestão, incluindo um secretário.
Em junho deste ano, foi a vez de Parnarmirim. A Operação Curto Circuito levou seis para a prisão e já teve em seus primeiros desdobramentos o sequestro de bens no valor de R$ 1,5 milhão para cobrir danos contra a administração pública.
Prefeitos
O efeito em cadeia atingiu em cheio dois nomes que ocupavam a chefia do Executivo de suas cidades.
Em Caicó, em agosto deste ano, o prefeito Batata caiu na investigação e foi apanhando negociando com representantes das empresas envolvidas no esquema valores que lhe seriam repassados. Ele foi preso e afastado do cargo. As investigações indicaram que sua participação no esquema começou após sua eleição em 2016 e antes de assumir o cargo e que ele teria recebido R$ 70 mil. Ao ser solto, declarou à imprensa que provaria sua inocência.
Em Patos (PB), também em agosto, o prefeito Dinaldo Medeiros Wanderley Filho foi afastado do cargo sob a acusação de participar de um esquema com mais 12 pessoas que desviou R$ 739 mil. A cidade do Estado vizinho foi a primeira a receber os desdobramentos da Operação Cidade Luz fora do Rio Grande do Norte. As investigações daqui foram preponderantes para a atuação do Ministério Público da Paraíba. O prefeito afastado até hoje não se pronunciou sobre o assunto.
Em ambos os casos, os prefeitos foram denunciados por corrupção passiva, associação criminosa e fraude em licitação.
Quem também chegou a ser flagrado nas investigações, embora à época não estivesse sendo alvo do caso, foi o então prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves. O chefe do Executivo da cidade foi gravado em ligação em outubro de 2016 tratando de uma solução “salomônica” para a licitação da decoração natalina daquele ano. O MP afirma que o contrato teve fraude.
O ex-prefeito afirmou que “o aludido processo de contratação da decoração natalina seguiu todas as etapas dentro da mais rigorosa legalidade”. Também disse que “não houve nenhum ato direto de minha parte que ferisse os princípios legais na contratação desses serviços”.
Personagens
De acordo com o MP, o esquema de Natal que foi reproduzido para outras cidades, tinha a seguinte organização:
O núcleo empresarial era formado por Maurício Ricardo de Moraes Guerra, das empresas Geosistemas e Enertec; Jorge Cavalcanti Mendonça e Silva, das empresas Servilight e Ancar; Alberto Cardoso, da Real Energy, e Epaminondas da Fonseca e Maurício Guarabyra, ambos da Lançar Construtora.
O núcleo empresarial era mediado pelos chamados operadores do esquema, que eram Felipe Gonçalves de Castro e Allan Emmanuel Ferreira. Ainda de acordo com o MP, cabia a eles fazer o elo com o núcleo administrativo, que em Natal foi representado por Raniere Barbosa, Jerônimo Filho, Sérgio Pignataro e outros auxiliares da Semsur. Para cada cidade, o núcleo administrativo era modificado, já o empresaria tinha supressão apenas dos personagens.




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