Ex-jogador do ABC e com 34 anos, o atacante João Paulo vai levando sua carreira dentro do mercado alternativo do futebol europeu. Com um bom desempenho, ele chegou até a iniciar o processo de naturalização para defender a seleção do Cazaquistão, sonho que o atleta terá como realizar a partir de 2023, quando cumprirá o prazo exigido pela FIFA para que um atleta de outro país possa integrar o selecionado de outro.
Animado com a possibilidade, João Paulo salienta que recebeu a informação de que estaria contado para seleção com muita satisfação e disse que vai honrar a camisa cazaqui como se fosse a própria camisa da seleção brasileira. Com passagem pela Coreia do Sul, Bulgária e agora o Cazaquistão, o atleta aproveitou a entrevista concedida para o programa Tribuna Esporte, na JP News Natal, para falar sobre a saudade que sente das comidas nordestinas e como está fazendo, com a família, para se adaptar a culinária dos locais em que atua profissionalmente.
Com relação a um possível retorno para o Alvinegro, o atleta reforça que vontade não falta, porém o momento é de se manter no mercado internacional, com a finalidade de garantir um lastro financeiro para poder ter uma aposentadoria tranquila.
Você que foi revelado nas bases do ABC conseguiu fazer uma carreira internacional e hoje atua no futebol do Cazaquistão. Como está o João Paulo atuando num país pouco conhecido dos brasileiros?
Eu estou indo para minha quinta temporada no Cazaquistão, atuei por dois anos e meio no Ordabasy. A minha saída do Ludogorets, da Bulgária, ocorreu por empréstimo e nessa troca de países consegui realizar uma boa temporada pelo Ordabasy, marcando 15 gols em minha primeira temporada. Mas o clube perdeu o patrocinador e acabou sendo obrigado a se desfazer de seus principais atletas, eu tive de sair mas deixei a minha marca como o jogador que marcou mais gols com a camisa do clube. Marquei 35 vezes em dois anos e meio, o cara que era o maior artilheiro do clube marcou 25 gols com mais de cem jogos, enquanto se eu tive muito, foram sessenta. Isso me credenciou para ir para o Kairat, onde já vou completar cinco anos. Agora o clube que jogo está tendo problemas dentro da cúpula diretiva, o presidente está sendo investigado, por investimento realizados dentro do próprio clube. Então jogadores como Vagner Love e outros jogadores de mais nome resolveram deixar o clube. Então ficou um grupo mais jovem e eu conseguiu atuar em todas as 35 partidas do clube na temporada e marquei 14 gols.
A sua determinação de fazer uma campanha internacional vem desde quando?
Desde que me tornei um profissional de futebol sempre tive esse pensamento fixo em mente. Tinha claro na minha cabeça que a primeira oportunidade que tivesse para jogar no futebol internacional, iria fazer de tudo para agarrar com unhas e dentes. Essa oportunidade surgiu em 2011, quando surgiu a oportunidade de jogar na Coreia do Sul. Quando cheguei lá e vi a organização e que não havia problema no lado financeiro, senti logo que seria um lugar seguro para colocar em prática o meu plano de vida. Conseguir dinheiro para cuidar do futuro e poder ajudar meus pais. Iniciei pensando assim e continuo pensando da mesma forma hoje, aos 34 anos. Então, até tenho vontade de voltar ao ABC, mas a realidade financeira daqui é bem diferente da que encontrei lá fora, onde recebo premiação por gol e, até, por assistências dadas aos meus companheiros de equipe. Essa condição me prende por lá, assim como a experiência que meus filhos estão tendo, com a oportunidade de estudar fora e conhecer outras culturas. O meu filho de sete anos, João Manoel, já fala fluentemente o inglês e até o russo, bem melhor que eu. O meu nível de inglês é apenas para sobreviver fora, serve para pedir água e comida. Então acredito que essa experiência será fundamental para o futuro dele, assim como o de João Manoel, que hoje está com quatro anos.
A linguagem padrão do Cazaquistão é o russo?
Sim. Mas a escola que os dois meninos estudam tudo é feito em inglês.
Você acredita que essa sua trajetória seria uma tendência para os jovens que se formam profissionais do futebol do RN?
Quando comecei no ABC foi na fase de transição para o encerramento de carreira de jogadores como Rogerinho, Marciano, Ivan, Renatinho. Esse pessoal me deu muita força para tentar abrir as portas do futebol internacional, pois lá é que conseguiria fazer minha vida profissional, ganhar dinheiro e conquistar a estabilidade financeira. Também conversava muito com ex-atletas que me falavam sobre a história de Marinho Chagas, que pelo futebol que jogava e as oportunidades que conseguiu, poderia ter encerrado a carreira e viver numa condição muito boa, mas ele escolheu trilhar outro caminho, mas nada vai apagar a grandeza de Marinho dentro do futebol. Foram vários tipos de exemplos que me mostraram e disseram para ser diferente. Então tudo isso me fez lutar muito para permanecer fora do Brasil. Se por um lado a vida é boa, já que você se alimenta bem, mora bem e fica em bons hotéis, do outro lado pesa a saudade pela distância da família. Tenho minha esposa e meus filhos perto de mim, mas gostaria de estar em Natal junto com meu pai, minha mãe e ter a oportunidade de tomar café na casa dos meus avós. Jogador de futebol é obrigado a abdicar de muita coisa, mas até as dificuldades acabam me dando mais força para prosseguir com essa minha jornada.
Com sua idade e a disposição de continuar a carreira internacional, se não der para voltar como atleta, pelo menos você pensa em voltar para um dia ser dirigente do ABC?
Todos sabem o carinho que nutro pelos torcedores do ABC, que foi o clube que me abriu as portas do futebol, antes de ser um jogador do clube eu era torcedor, fui várias vezes ao Macahdão assistir jogos com meu pai e meu falecido avô. Vibrava com os gols de Joãozinho, com as arrancadas de Ivan e juro que gostaria de correr igual a esses caras. Mas o meu pensamento é ficar um pouco mais de tempo por lá, enquanto eles quiserem eu vou ficando sem reclamar. Tenho mais um ano de contrato a cumprir posso estender a permanência no clube ao final da temporada, pois sou quase um cidadão cazaqui, já possuo a minha cidadania residência, chegaram a consultar sobre se eu tinha o interesse de defender a seleção do Cazaquistão, que no meu caso não seria problema algum, iria encarar isso até como um prêmio para minha carreira. A questão só não se concretizou porque para defender a seleção de outro país, eu tenho de ter a cidadania e estar atuando há pelo menos cinco anos, eu só tenho quatro, então, apenas em 2023 poderia dar esse passo. Não sei se a questão vai para frente, porque, infelizmente, o treinador que me queria na seleção, caiu. Mas aceitaria defender a seleção do Cazaquistão, nem que fosse apenas por um jogo. Já ficaria muito feliz com isso.
Qual a lembrança que o João Paulo tem de criança, quando ia para o Machadão ver o ABC jogar?
É muito claro na minha memória um dia em que estava na arquibancada, perto do túnel onde o ABC ficava, e os torcedores chamando pelos atletas, que chamei meu pai e disse que ele ainda iria me ver subindo aquela escada com para defender o ABC. Aquela espécie de promessa de criança acabou se concretizando e minha mãe me disse, que quando cheguei ao profissional e eles foram ver o jogo no Machadão e a torcida começou a gritar pelo meu nome, o velho não aguentou e começou a chorar.
Estando atuando fora do país, você consegue acompanhar a trajetória dos clubes locais nas competições?
Quando dava sim. Como são nove horas de fuso horário entre o Brasil e o Cazaquistão, só consigo acompanhar quando não tem treino previsto para o outro dia. Os jogos daqui, em horário normal, lá acontecem de madrugada. Mas minha esposa também é abecedista e acompanhou a campanha dos nossos dois clubes no Brasileirão. Foi bonito, mas pelo bem do futebol potiguar, o América tem de conquistar logo o acesso para uma Série B também. Os dois na mesma condição, na B, vai trazer visibilidade, novos patrocínios que vão propiciar a chegada de atletas com uma qualidade melhor, isso sempre será muito bom. Todos sabemos que só quem tem a ganhar com isso é o próprio RN. As Séries C e D são competições muito doidas, vi o América jogando em campos sem a menor condição na Série D, onde nem o peladeiro do bairro quer jogar num campo daqueles.
Qual a projeção de futuro de João Paulo em relação ao futebol do RN?:
Quando saí do ABC deixei a porta aberta para que um dia, se possível, eu possa retornar, tenho um carinho muito grande pelo clube e se tiver de voltar não será apenas para realizar um jogo de despedida. Quero vestir a camisa novamente em condição de disputar jogos em alto nível. Quero brigar para conquistar títulos, batalhar pela artilharia dos campeonatos. O futuro a Deus pertence, tenho contrato a cumprir ainda até o final de 2023 e não sei o que pode ocorrer daqui a seis meses. Eu deixo as coisas ocorrerem em minha vida, nas minhas orações peço que o caminho a trilhar seja escolhido apenas pela vontade de Deus.
Como está aproveitando as férias em Natal?
Na verdade, estou matando a vontade de comer galinha caipira e carne de sol. Acho que sou um exterminador de galinhas, gosto muito desse prato, porque lá no Cazaquistão nós não achamos a galinha feita dessa forma e temos de nos contentar com a carne de cavalo, que é a comida típica do povo do Cazaquistão. Agora é aproveitar o restante dos dias que ainda tenho na cidade e depois focar para mais uma temporada forte. Ah, no retorno, temos de levar duas malas, uma com roupas e outra cheia de pré-treino, que é o cuscuz. Sem esse aí não dá para viver. Levamos ainda feijão preto, branco, farinha e coisinhas como rapadura. Quem é nordestino não consegue viver fora do país sem isso. Lá faz muito frio, a temperatura em dezembro chega a menos 15 graus e a neve bate na canela.