Muitos falam sobre representatividade, poucos realmente conhecem o significado da palavra em um contexto social e tangível. Ser representado, em um sentido amplo, é ser visível. É ter existência. Aquele que não consegue ser notado, muitas vezes por causa de determinados fatores opressores, entra em um caminho repleto de invisibilidade em vários aspectos da vida.
É este percurso que o natalense André Lima, de 19 anos, quer evitar. Ele nasceu no corpo de uma mulher e, recentemente, se descobriu homem trans. “Foram anos de questionamentos até conseguir entender o que se passava em mim. É por isso que falo sobre isso na minha música: para que alguém que esteja passando pelo mesmo processo, possa ter uma referência”, contou em entrevista ao Agora RN.
Apesar da pouca idade, o jovem já tem sete anos de carreira. “Tudo começou na escola. Venci um concurso de poesia e, desde então, não paro de escrever e compor rimas”. André é rapper e encontra no hip hop uma forma de homenagear a ancestralidade preta, além de narrar uma experiência mais particular como uma pessoa parte da comunidade LGBTQIA+.
Em contraposição ao antigo mundo religioso, o rapper escolheu Amém para integrar o nome artístico em um gesto de apreciação crítica. Ore é a sigla de orgulho, raiva e ego – características da personalidade de André que ele gostaria de mudar. “Então esse apelido pode simbolizar defeitos e preconceitos que requerem uma reavaliação, que deve ser feita tanto por mim quanto pela sociedade”.
Na última semana, o músico lançou o single “Family Friendly”, que retrata as injustiças sofridas nas comunidades quando há ocorrências de abuso policial. “Morei no Planalto, Felipe Camarão e hoje moro em Mãe Luiza. Tudo que aprendi vivendo na periferia é incorporado ao meu rap. Apesar da violência recorrente, temos um povo de garra que, com força de vontade, sai de casa todos os dias em busca de uma realidade digna”, relatou.
Inspirado por artistas nacionais como Emicida, Projota e Rashid, e por rappers da cena local, o primeiro EP de Amém Ore, intitulado “IRA”, tem três músicas autorais e foi lançado no fim de julho pela StoneOne Records. A faixa “Banzo” traz a luta antirracista; “Amém” ressignifica a melancolia acerca das dúvidas sobre gêneros; e “Cuarentena” analisa os efeitos da pandemia da Covid-19 que podem, de acordo com o cantor, ressaltar a desigualdade social a longo prazo.
O discurso indagador das composições do jovem é crucial para fortalecer e valorizar a identidade cultural tão extensa e plural existente nos mais diversos grupos. “Esse sempre será meu intuito na música. Alcançar um respeito mútuo não é apenas uma idealização, algo impossível. Se a organização da democracia existe, vamos brigar por ela. Vamos transformar o sistema. Acredito que, um dia, seremos protagonistas das nossas próprias histórias”.