Alçado à Presidência da República após o controverso processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) tem visto os principais membros de seu “dream team” governamental ficarem pelo caminho à medida que seu mandato se aproxima do fim. Seja em razão de denúncias de corrupção ou por conjunturas de “mercado”, termo que norteia sua gestão, o emedebista havia montado a equipe de seus sonhos para a condução da política econômica, mas apenas uma peça desse triunvirato continua de pé após a saída de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, e de Pedro Parente, recém-demitido da Petrobras na esteira da crise do combustível. Restou Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, entre os notáveis do presidente.
No anúncio do engenheiro Ivan Monteiro para substituir Parente na petrolífera, Temer demonstrou ter sentido o golpe abaixo da linha de cintura. Em pronunciamento de menos de dois minutos, o presidente transpareceu cansaço, nas palavras de seu ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun. Aliado fiel de Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-deputado condenado e preso em razão da Operação Lava Jato, Marun esteve na linha de frente reativa à greve dos caminhoneiros, que abalou o país por 11 dias, e também se diz desgastado.
Em entrevista concedida neste domingo (3) ao Congresso em Foco, o ministro preferiu o termo “cansado” a “abatido“ ao descrever o estado de espírito do presidente, e diz que o desgaste de quase duas semanas de quase colapso no setor produtivo, que dá sinais de persistência, pesaram demais para o correligionário.
Marun até tentou, mas depois não conseguiu negar a ideia de que o presidente esteja sofrendo com a saída de tantos “craques de seu time“. “Eu diria, talvez, cansado, não é?… Ontem [sábado], concedi uma entrevista e vários amigos meus ligaram preocupados porque eu estava, realmente, expressando cansaço em minha fisionomia. Talvez seja isso”, tergiversou o emedebista, para depois admitir que a saída de Parente foi muito sentida por Temer.
E com efeitos colaterais variados, como bem sabe o ministro. “Sempre que alguém sai de forma indesejada é sempre uma situação que não é boa. Você simplesmente não queria que acontecesse. Mas o presidente teve a capacidade de tomar uma decisão rápida em relação à substituição. Quem sabe esse limão não se torna uma limonada.”
Núcleo político
Não foi só a desidratação do tripé econômico que abateu Temer nesses dois anos de mandato. Desde 12 de maio de 2016, quando assumiu a Presidência interinamente, avanços da Lava Jato em direção ao seu núcleo de governo – e em seu próprio encalço – vitimaram nomes fortes de sua equipe ministerial. Para citar apenas três deles, que reinaram por décadas no PMDB, vale lembrar que dois tiveram a cadeia como destino.
Um dos primeiros a cair em desgraça foi o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), que foi derrubado do Ministério do Turismo em razão de denúncias de corrupção diversas. A exemplo de Cunha, que está preso desde outubro de 2016, Henrique foi condenado por participar de fraudes na Caixa Econômica Federal, no âmbito do chamado “quadrilhão do PMDB”. Longe do poder desde março de 2016, quando deixou a pasta, Henrique recebeu habeas corpus recentemente e está sob medidas cautelares, mas pode voltar para a cadeia em breve.
Outro que foi tragado pela maré de denúncias foi o também ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), igualmente condenado e preso no petrolão sob acusação de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Ex-todo-poderoso da pasta ora ocupada por Marun, era um dos principais articuladores do governo Temer no Congresso. Fora do ministério de Temer desde novembro de 2016, Geddel estarreceu o país com a descoberta de que mantinha R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um apartamento em Salvador, na mais elevada quantia apreendida pela Polícia Federal em todos os tempos.
Mas talvez o desfalque mais sentido por Temer na Esplanada dos Ministérios, no que diz respeito ao seu núcleo político, tenha sido o senador Romero Jucá (MDB-RR). Líder do governo no Senado e presidente nacional do MDB, o parlamentar chefiou o Ministério do Planejamento por 12 dias até ser baleado com a revelação dos famosos áudios em que fala em “estancar a sangria” da Lava Jato e grande acordo nacional, “com o Supremo [Tribunal Federal], com tudo” para tirar Dilma do poder. Era maio de 2016, a três meses do afastamento definitivo da petista, e o governo Temer balançava com risco de desabamento pela primeira vez. Um dos homens mais fortes do presidente, Jucá hoje dá as cartas quando o assunto é pauta legislativa.
Baque indesejado
Nada disso tira Marun do foco discursivo de que a gestão Temer pôs o Brasil nos trilhos. Para o ministro, ficaram para trás nomes importantes na execução dos planos do governo, que apostava no crescimento econômico até ser atropelado pelos caminhoneiros, mas isso não significa um “baque” do Palácio do Planalto. “Alguns saíram por conjunturas eleitorais. A única saída que aconteceu de forma, digamos, indesejada foi a do Parente. É uma saída que, realmente, não gostaríamos que acontecesse. Pelo menos no tempo em que eu estou ministro”, afirmou Marun, titular da Secretaria de Governo desde 15 de dezembro.
“Mas também existe um ditado de que há males que vêm para o bem. É neste sentido que nós estamos avaliando este processo. Ele [Parente] foi substituído por uma pessoa que tem condições, não foi uma saída em massa de diretores”, acrescentou o ministro, referindo-se ao novo presidente da Petrobras.
Marun ressaltou que opinava em caráter pessoal, e não como ministro, e avaliou que as mais recentes trocas em ministérios foram bem operadas por Temer. “O Guardia [Fazenda] está fazendo um grande trabalho. Eu não tenho conversado com o Dyogo [Oliveira] lá no BNDES, mas também tenho a convicção de que ele está indo muito bem”, acrescentou.
O ministro não admite com todas as letras, mas sabe que o governo Temer chega à reta final sem força para aprovar muitas das matérias de seu interesse – e, por outro lado, repletas de polêmica e extremamente impopulares. Entre elas a privatização da Eletrobras, que, a exemplo da reforma da Previdência, naufragou em discussões intermináveis na Câmara. “Quero fazer um diagnóstico sobre o resultado desta crise. Eu acredito que, se os parlamentares tiverem a real consciência do que aconteceu, talvez seja menos difícil nós aprovarmos aquelas matérias que, efetivamente, são necessárias para o andamento do Brasil. Crises com esta são momentos que, muitas vezes, trazem esse tipo de efeito”, filosofou.
Marun deu como exemplo o que aconteceu com a fracassada reforma da Previdência, “que todos sabíamos que era e é necessária”. “Ela é mais do que necessária; é imprescindível. E, mesmo assim, não conseguimos votá-la. Esta greve foi muito estranha. Estamos em um momento eleitoral, então isso também atrapalha”, arrematou o ministro.
Nuvens carregadas
Seja qual for o desempenho no Congresso em ano eleitoral, o emedebista tem no horizonte a frustrada projeção de crescimento econômico na ressaca da greve dos caminhoneiros. A paralisação deixará sequelas graves na atividade econômica, segundo analistas de vertentes diversas. Alguns deles fizeram um desanimador prognóstico com os seguintes elementos no curto prazo: redução no crescimento econômico, alta na inflação e índices persistentes de desemprego.
Os economistas pintaram outros cenários negativos para Temer, como a ameaça cada vez mais factível de que mais categorias sigam o caminho grevista dos caminhoneiros e o colapso das contas públicas. As impressões foram reunidas em reportagem veiculada ontem (domingo, 3) pelo portal UOL. “Apenas para garantir uma redução de R$ 0,30 no preço do diesel nas refinarias (de um total de R$ 0,46 de desconto), o governo afirmou que pagará do próprio bolso R$ 9,5 bilhões até dezembro”, diz trecho do texto assinado por Cristiane Bonfanti.
Em texto publicado na última sexta-feira (1º/jun), em que fala sobre a “queda inevitável de Parente” e prevê o populismo nos rumos da Petrobras – e da própria economia brasileira – depois da demissão do gestor, o colunista Igor Gielow (Folha de S.Paulo) discorre sobre a situação crítica do governo: “Para Temer, há o simbolismo extra da perda de uma das pilastras que sustentava a parte ainda respeitada do governo. Sem ele e Henrique Meirelles (ex-Fazenda), que abandonou o naufrágio para tentar uma aventura presidencial para lá de incerta, sobra no ‘dream team’ que o mercado enxergava na economia um solitário Ilan Goldfajn”.
Ex-ministra-chefe da Secretaria de Comunicação de Dilma, Helena Chagas vai adiante, mas no mesmo sentido, em artigo veiculado no site Os Divergentes. “Quem mais deve ganhar com a saída é o próprio Parente, que tem emprego garantido na BRF. Quem mais perde é o governo, ou o que sobrou dele. E sobrou pouco, depois das concessões da greve e do desmonte do ‘dream team’ da economia que tanto impressionou mercado e o establishment no início do governo Temer”, escreve a jornalista no texto intitulado “O que sobrou do governo Temer?”, também veiculado em 1º de junho.
O trio que resta
Temer sobreviveu a duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a ajuda de deputados, ao custo de bilhões em emendas liberadas, projetos sob encomenda e nomeação de aliados em cargos estratégicos da administração federal. Ao contrário de Meirelles, que se lançou à sucessão presidencial pelo MDB, o presidente terá que responder pelas acusações de que praticou corrupção passiva, tentou obstruir a Justiça e integrou organização criminosa tão logo deixe o Planalto.
Aos 77 anos e com rejeição recorde entre presidentes da República, Temer não deve seguir sozinho em seu processo de “sarneyzação” – termo usado para conotar o processo de degradação do impopular governo do correligionário José Sarney (1985-1990), que também sangrou no final do mandato presidencial. Ao seu lado continuam firmes os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia), ambos alvos de graves acusações em investigações como a Lava Jato e igualmente denunciados pela PGR.
Sem a medalha da recuperação econômica como inicialmente projetada, restarão para o trio de amigos emedebistas as barras da lei, já a partir de 1º de janeiro de 2019. E, muito provavelmente, sem a prerrogativa do foro privilegiado.